sábado, 23 de junho de 2012

A “economia verde” é o novo Consenso de Washington?

I. Economia Verde: A Nova Fase da Expansão Capitalista e de Ajuste Estrutural
1. Atualmente enfrentamos grandes riscos – até mesmo uma crise de civilização – que se manifestam em muitas dimensões e que são exacerbados por desigualdades sem precedentes. Sistemas e instituições que sustentam a vida e as sociedades – tal como a produção de energia e alimentos, o clima, a água, a biodiversidade e mesmo as instituições econômicas e democráticas – estão sob ataque ou em colapso.
2. Na década de 1980, enfrentando uma crise da lucratividade, o capitalismo lançou uma ofensiva maciça contra trabalhadores e povos, buscando aumentar os lucros através da expansão dos mercados e da redução de custos pela liberalização das finanças e negócios, flexibilização do trabalho e privatização do setor público. Esse ‘ajuste estrutural’ maciço ficou conhecido como Consenso de Washington.
3. Hoje, frente a uma crise ainda mais complexa e profunda, o capitalismo está lançando um novo ataque que combina as antigas medidas de austeridade do Consenso de Washington – como estamos presenciando na Europa – com uma ofensiva para criar novas fontes de lucro e crescimento através da agenda da “Economia Verde”. Embora o capitalismo sempre se baseou na exploração do trabalho e da natureza, essa nova fase da expansão do capitalismo busca explorar e lucrar colocando um valor precificado em capacidades essenciais da natureza para gerar vida.
4. A Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, em 1992, institucionalizou importantes bases para a cooperação internacional no desenvolvimento sustentável, tal como o princípio de que o poluidor paga, as responsabilidades comuns porém diferenciadas e o princípio da precaução. Mas o Encontro do Rio também institucionalizou o conceito de “desenvolvimento sustentável” baseado do “crescimento” ilimitado. Em 1992, as Convenções do Rio reconheceram pela primeira vez os direitos das comunidades indígenas e suas contribuições centrais para a preservação da biodiversidade. Mas, nos mesmos documentos, os países industrializados e as corporações obtiveram a garantia da propriedade intelectual das sementes e dos recursos genéticos que roubaram através de séculos de dominação colonial.
5. Vinte anos depois, em 2012, o saque continua. A agenda da “Economia Verde” é uma tentativa de expandir o alcance do capital financeiro e integrar ao mercado tudo o que resta da natureza. Pretende fazer isso colocando um “valor” monetário ou um “preço” na biomassa, na biodiversidade e nas funções dos ecossistemas – como o armazenamento de carbono, a polinização de plantações ou a filtragem da água – a fim de integrar esses “serviços” como unidades comercializáveis no mercado financeiro.

II. O Que e Quem Está Por Trás do Draft Zero (Esboço Zero)?

6. O resultado do documento “draft zero” para a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável da Rio+20 se chama “O Futuro que Queremos”1. No coração desse breve texto está a seção “A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”.
7. O “draft zero” – como todos os ataques perversos do capitalismo – é cheio de generalidades para esconder as reais intenções. A força ideológica por trás do “draft zero” é o relatório de 2011 do PNUMA Rumo a Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza, que mostra claramente o objetivo final de alcançar o “capitalismo verde”. 2
8. Em uma escala global, a “Economia Verde” procura desassociar o crescimento econômico da deterioração do meio ambiente através de um capitalismo tridimensional que inclui capital material, capital humano e capital natural (rios, zonas úmidas, florestas, recifes de corais, diversidade biológica e outros elementos). Para a “Economia Verde”, a crise de alimentos, do clima e da energia compartilham uma característica comum: uma alocação falha de capital. Como resultado, eles tentam tratar a natureza como capital – “capital natural”. A “Economia Verde” considera essencial colocar um preço no serviço gratuito que plantas, animais e o ecossistema oferecem a humanidade em nome da “conservação” da biodiversidade, purificação da água, polinização das plantas, proteção do recife de corais e regulação do clima. Para a “Economia Verde”, é necessário identificar as funções específicas do ecossistema e da biodiversidade e atribuir a eles um valor monetário, avaliar suas condições atuais, estipular um limite depois do qual eles não irão mais prover serviços e concretizar em termos econômicos o custo de sua conservação a fim de desenvolver um mercado para cada serviço da natureza específico. Para a “Economia Verde” os instrumentos do mercado são poderosas ferramentas para gerir a “invisibilidade econômica da natureza”.
9. Os principais alvos da “Economia Verde” são os países em desenvolvimento, onde se encontra a biodiversidade mais rica. O “draft zero” até mesmo reconhece que uma nova rodada de “ajustes estruturais” será necessária: “países em desenvolvimento estão enfrentando grandes desafios para erradicar a pobreza e manter o crescimento, e uma transição para uma economia verde irá requerer ajustes estruturais que podem envolver custos adicionais para suas economias…”.
10. Mas a “Economia Verde” não é uma ficção do futuro: ela já está aqui. Como afirma o “draft zero”, “Nós apoiamos estruturas políticas e instrumentos de mercado que efetivamente diminuam, parem e revertam o desmatamento e degradação das florestas”. Esta passagem está se referindo ao REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), uma iniciativa da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) que consiste em isolar e medir a capacidade das florestas de capturar e armazenar dióxido de carbono a fim de emitir certificados de redução das emissões de gases de efeito estufa que podem ser comercializados e adquiridos por empresas em países em desenvolvimento que não conseguem cumprir seus compromissos de redução das emissões. Mas nós já vimos que o mercado de créditos de carbono baseado nas florestas irá levar: a) à falta de comprometimento com os acordos de redução efetiva das emissões pelos países desenvolvidos; b) ao aumento da apropriação de recursos por intermediários e entidades financeiras que raramente beneficiam países, populações indígenas e as próprias florestas; c) à geração de bolhas especulativas baseadas na compra e venda dos certificados mencionados, e; d) ao estabelecimento de novos direitos de propriedade sobre a capacidade das florestas de capturar dióxido de carbono, que irá colidir com os direitos soberanos dos Estados e dos povos indígenas que vivem nas florestas.
11. Os postulados promovidos sob a designação de “Economia Verde” estão errados. A atual crise ambiental e climática não é simplesmente uma falha de mercado. A solução não é colocar um preço na natureza. A natureza não é uma forma do capital. É errôneo dizer que só valorizamos aquilo que tem preço, um dono e que traz lucros. Os mecanismos de mercado que permitem trocas entre seres humanos e nações se mostraram incapazes de contribuir para uma distribuição equitativa da riqueza. O maior desafio para a erradicação da pobreza não é crescer eternamente, mas alcançar uma distribuição equitativa da riqueza que seja possível dentro dos limites do sistema Terra. Em um mundo no qual 1% da população controla 50% da riqueza do planeta não será possível erradicar a pobreza nem restaurar a harmonia com a natureza.
12. A agenda da “Economia Verde” é uma manipulação cínica e oportunista das crises ecológica e social. Ao invés de enfrentar as verdadeiras causas estruturais das desigualdades e injustiças, o capital está usando a linguagem “verde” para lançar uma nova e agressiva rodada de expansão. As corporações e o setor financeiro precisam dos governos para institucionalizar novas regras da “Economia Verde” que os protejam contra riscos e para criar um quadro institucional para a financeirização da natureza. Muitos governos são parceiros ativos nesse projeto por acreditarem que isso irá estimular uma nova fase de crescimento e acumulação.
13. De fato, a “Economia Verde” é o novo Consenso de Washington que está para ser lançada na Rio+20 como o próximo estágio do capitalismo para recuperar o crescimento e lucros perdidos. Esse definitivamente não é o futuro que NÓS queremos.

Fonte

http://rio20.net/pt-br. Acesso em 22/06/2012

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rio+20 termina nesta sexta-feira com divulgação do documento “O Futuro que Queremos”


A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 termina nesta sexta-feira, 22 de junho, às 15h, com a divulgação do documento final, de 49 páginas, denominado O Futuro Que Queremos. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, que chegou nesta madrugada no Rio de Janeiro, participa do encerramento. O saldo da conferência foi considerado positivo pelo chefe da delegação do Brasil na Rio+20, embaixador André Corrêa do Lago. “O principal é fazer com que o desenvolvimento sustentável se transforme em paradigma em todos seus aspectos - social, ambiental e econômico”, disse. Para autoridades brasileiras, é um avanço o compromisso de atrelar desenvolvimento sustentável à erradicação da pobreza em todo o mundo. Organizações não governamentais (ONGs) promoveram vários protestos durante a conferência e prometem apresentar um balanço das discussões e recomendações, reivindicando, entre outros pontos, a ampliação de poderes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Integrantes da Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil paralelo à Rio+20, realizado no Aterro do Flamengo, entregaram o documento, pela manhã, ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, no Riocentro. O texto foi elaborado durante as plenárias organizadas pelas ONGs e outros movimentos sociais. O grupo, presidido por Iara Pietrovsky, integrante da articulação da cúpula, receberá o secretário na chegada ao local.

Rio+20

O documento oficial da conferência - “O Futuro que Queremos” - tem 49 páginas e está dividido em seis capítulos e 283 itens. Os capítulos mais relevantes são os que tratam de financiamentos e meios de implementação (relacionados às metas e compromissos que devem ser cumpridos). A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 –  acontece 40 anos depois da Conferência de Estocolmo e 20 anos depois da Rio 92. A realização no Brasil foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua 64ª Sessão, em 2009. A proposta é avaliar os avanços até agora e propor novas metas para o desenvolvimento sustentável. A Rio+20 é assim conhecida porque marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e deverá contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. O objetivo do evento é a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes, de acordo com a Resolução 64/236 da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Energia limpa

No encerramento da Rio+20, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, deve anunciar o lançamento de novo mecanismo de financiamento para a energia limpa e defender as medidas que levam ao desenvolvimento sustentável com inclusão social. A proposta apresenta diferentes tipos de apoio para atrair investimentos do setor privado a projetos de energia limpa, principalmente na África.

Fonte: www.rio20.gov.br. Acesso em 22/06/2012

OS DOIS TEMAS CENTRAIS DA RIO+20

Os dois temas centrais da Rio+20 – a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável – foram aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas de forma consensual entre os 193 países que integram a ONU. Nas reuniões do processo de preparação, os países têm apresentado propostas sobre esses temas, buscando resultados que possam ser adotados na Conferência.

A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA

A “economia verde” constitui um instrumento para a aplicação de políticas e programas com vistas a fortalecer a implementação dos compromissos de desenvolvimento sustentável em todos os países da ONU. Para o Brasil, a “economia verde” deve ser sempre enfocada no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, uma vez que os temas de economia e de meio ambiente (“verde”) não podem ser separados das preocupações de cunho social. O debate sobre “economia verde” aponta para oportunidades de complementaridade e de sinergia com outros esforços internacionais, englobando atividades e programas para atender às diferentes realidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. É importante relembrar que a redução das desigualdades – em nível nacional e internacional – é fundamental para a plena realização do desenvolvimento sustentável no mundo.

ESTRUTURA INSTITUCIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

As discussões sobre a estrutura institucional têm buscado formas para melhorar a coordenação e a eficácia das atividades desenvolvidas pelas diversas instituições do sistema ONU que se dedicam aos diferentes pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental). Os países têm debatido, principalmente, maneiras pelas quais os programas voltados ao desenvolvimento econômico, ao bem-estar social e à proteção ambiental podem ser organizados em esforços conjuntos, que realmente correspondam às aspirações do desenvolvimento sustentável. Algumas das propostas já apresentadas propõem a reforma da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CDS), com o objetivo de reforçar seu mandato de monitoramento da implementação da Agenda 21, adotada durante a Rio-92, e seu papel de instância de coordenação e de debate entre representantes dos países e da sociedade civil. Quanto à reforma das instituições ambientais, vários países têm apontado a importância de que sejam fortalecidas as capacidades de trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), aumentando a previsibilidade dos recursos disponíveis para que essa instituição apóie efetivamente projetos em países em desenvolvimento. A reforma da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável deverá observar o equilíbrio entre as questões sociais, econômicas e ambientais.

Fonte: http://www.rio20.gov.br. Acesso em 22/06/2012

terça-feira, 12 de junho de 2012

AGENDA 21 E A SUSTENTABILIDADE DAS CIDADES


A Agenda 21 se destaca como o mais importante compromisso sócio-ambiental em prol da sustentabilidade firmado na RIO-92. Com mais de 2,5 mil recomendações práticas, a Agenda 21 estabeleceu o desafio do milênio seguinte como um instrumento de planejamento estratégico que visa implementar um novo modelo de desenvolvimento sócio-econômico e ambiental, construído "de baixo para cima", orientado a melhorar e resguardar a qualidade de vida das gerações futuras. O maior avanço da Agenda 21 é sua elaboração como processo amplamente participativo para construção de consensos e cenários de futuro. Propõe padrões mínimos aceitos pelos seus signatários para harmonizar as questões sócio-econômicas e ambientais, com a assinatura de compromissos em regime de co-responsabilidade entre os diversos atores sociais, concretizados em um Plano de Desenvolvimento Sustentável ou similar. O slogan ambientalista "Pensar Globalmente, Agir Localmente" serviu de inspiração para o capítulo 28 da Agenda 21, que pede maior atenção com as cidades, já que estas são fundamentais para a implementação das políticas propostas no documento. Muitos dos problemas e das soluções listados na Agenda 21 têm raízes em atividades locais, assim, as autoridades locais e seus planos de governo são um fator-chave para fazer o desenvolvimento sustentável acontecer. O envolvimento dos moradores e outros setores da sociedade organizada junto ao governo local é condição indispensável para lidar com os desafios básicos do desenvolvimento, tais como moradia, desemprego, lixo, água e poluição do ar, para citar apenas alguns e pode mobilizar novos recursos para a solução destes problemas e criar uma cultura participativa, transparente, responsável e comprometida com processos permanentes de sensibilização e capacitação. O objetivo maior da Agenda 21 Local é servir de subsídio à elaboração e implementação de políticas públicas, orientadas para o desenvolvimento sustentável. Os processos em andamento mostram que a Agenda 21, além de ser um instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável, é também um poderoso instrumento de gestão democrática das cidades e validação social das propostas do Estatuto da Cidade e seus Planos Diretores.

O que é uma cidade sustentável?

Depois da RIO 92, a importância das cidades e seu papel para o desenvolvimento sustentável ficaram mais claros. A interpretação dos benefícios ecológicos da ocupação do espaço urbano, a partir de nova leitura dos modelos de urbanização existentes, deve incluir o controle social e a valorização do capital humano local nos seus procedimentos de gestão, permitindo desta forma recriar as cidades como centros de criatividade econômica, social e, sobretudo, de reinterpretação de suas características culturais. O Brasil, após um período de falta de vontade política do governo sobre o assunto, retomou o processo de articulação com a sociedade e apresentou sua Agenda 21 em julho de 2002, incluindo entre seus temas as Cidades Sustentáveis. A discussão sobre qualidade devida nas cidades vem de longo tempo, mas só tomou vulto nos últimos dez anos, graças aos impulsos dados pela Rio-92 e pela Conferência Habitat II, assim como pela necessidade de dar transversalidade às questões ambientais, inclusive no contexto das políticas urbanas que representam o grande desafio. Os pressupostos atuais de "reconstruir" as cidades com estratégias ecológicas e visão do entorno, tem sido colocada tanto pelos ambientalistas -- com as idéias de capacidade de suporte, pegada ecológica, equilíbrio energético, conforto ambiental, entre outras -- quanto pelos urbanistas que entre as conferências Habitat I e II mudaram seu enfoque sobre as cidades e sua contribuição para o fortalecimento das organizações sociais. Segundo a Agenda 21 Brasileira, a principal tarefa que se coloca aos gestores do território e especificamente do espaço urbano, é a de reorganizar o sistema de gestão, horizontalizando as instâncias de decisão. Resumidamente sugere-se, entre outras coisas, o incentivo ao surgimento e reforço de cidades médias, ou de assentamentos menores devidamente articulados em rede no contexto da dinâmica funcional de pólos maiores, representados pela grande cidade. A preferência a projetos integrados, de menor custo e impacto sócio ambiental. A dimensão ambiental deve ser incorporada às políticas setoriais urbanas (habitação, abastecimento, saneamento, ordenação do espaço urbano, entre outras.), utilizando critérios e indicadores sócio ambientais de melhoria da qualidade de vida, necessariamente atrelados a processos de validação social local. Neste contexto, a Agenda 21 Brasileira propõe entre outras coisas a retomada do planejamento estratégico participativo e multisetorial, a partir de uma construção coletiva. Desta forma, a gestão urbana se operacionaliza por intermédio dos planos diretores e similares com uma visão integradora entre o meio rural e urbano, permitindo validar o município como espaço dinâmico e interdependente, tendo como referência analítica outros arranjos espaciais e sócio funcionais como comitês de bacia, consórcios municipais, etc. nos seus pressupostos de sustentabilidade. Outros fatores relevantes a esta construção são as necessárias inclusões dos custos ambientais e sociais dos projetos de infra-estrutura, a promoção de mudança de comportamento do individual para o coletivo e a internalização de novos hábitos de consumo mais saudáveis, o uso do espaço urbano evitando o desperdício, entre outras formas de consumo urbano. Hoje o planejamento urbano admite e reconhece as cidades com se fossem ecossistemas. Como estruturas que favorecem uma relação de equilíbrio entre suas partes, criando uma cadeia harmônica de "alimentação". Neste contexto, o incentivo à consolidação de arranjos produtivos locais em bases sustentáveis, que devem agregar valor às atividades geradas localmente, são fundamentais na produção de cidades sustentáveis, sempre e quando apoiadas em estruturas deliberativas e democráticas, devidamente institucionalizadas, atemporais, suprapartidárias e paritárias, entre sociedade civil e instituições governamentais, como são os Fóruns das Agendas 21 Locais. A transformação do modelo atual de cidade requer um esforço coletivo, pois passa pelo pressuposto maior de transformação em sociedades sustentáveis, com todas suas particularidades sócio ambientais, produtivas e essencialmente culturais preservadas. Este eixo estratégico não desestimula a execução de atividades e ações menores em prol do sonho, que tem como ferramenta preciosa a educação formal e não formal. Tanto os Governos precisam assumir os princípios da sustentabilidade, como eixo estratégico norteador das políticas públicas, quanto os cidadãos precisam mudar hábitos e atitudes. É necessário aprender a reduzir o consumo de água e energia, escolher produtos locais, optar pelo transporte coletivo, gerar menos lixo, etc.. Mas a participação democrática precisa ser assegurada por normas legitimadas pelo processo político e empoderadas pela sociedade local, permitindo que sejam colocadas em prática pelas instituições públicas, trabalhando integradas a partir do seus focos setoriais ou corremos o risco de não ver incluídas como prioridades no âmbito da sustentabilidade demandas por justiça social e ambiental.

Instrumentos de Implementação: Orçamento Participativo, Certificação de Sustentabilidade e Plano Diretor

A Agenda 21 é um processo que contribui para a reconstrução da qualidade de vida da sociedade civil e para sua reorganização sobre patamares da ética para responder a novos desafios. O papel dos governos locais na implementação da Agenda 21 é fundamental, pois para que ela seja efetivamente um instrumento para a transformação denossas cidades é necessário que sejam criados mecanismos que permitam sua implantação e que a Agenda 21 seja considerada como um eixo estruturador e um canal de controle social dos diferentes instrumentosde ação das políticas públicas setoriais nos três níveis de governo. Nas cidades aonde já existe, o Plano Diretor pode ser constantemente aperfeiçoado de acordo com a análise dos indicadores sócio ambientais propostos e sua revisão, a cada dez anos, apresentando ainda a possibilidade de validação social do Plano Diretor, pelos Fóruns da Agenda 21. Este prazo parece algo longo para avaliar a atual dinâmica urbana das nossas cidades, podendo como alternativa, por meio do Fórum da Agenda 21 local ou similar, estabelecer caminhos cautelares aos possíveis desvios de percurso, propondo uma data de revisão antecipada e atrelada, por exemplo, ao cronograma dos mandatos políticos locais. Outro caminho pode ser constituído pela proposta de Certificação de Sustentabilidade, onde as forças deliberativas locais, instituídas pelo Fórum da Agenda 21Local, podem orientar o desenvolvimento de ações que incluam no seu escopo os conceitos da sustentabilidade, facilitando aos gestores públicos a priorização e destinação dos recursos públicos, apoiados em consensos construídos pelas próprias comunidades locais. Finalmente, cabe ressaltar, mais uma vez, que a Agenda 21 é um roteiro indicativo rumo à sustentabilidade. Ela implica na construção de acordos e compromisso ético das gerações atuais em relação ao futuro e como este é apenas uma possibilidade, um sonho, é preciso induzir permanentemente a participação dos atores sociais para que as políticas públicas reflitam os interesses de todos os setores e possam adotar a sustentabilidade como meta. A transformação das cidades atuais em cidades sustentáveis demanda necessariamente um processo democrático que indique de forma legítima a cidade que os cidadãos desejam. O processo de Agenda 21 Local possibilita a criação de acordos aceitos por todos e adotados como um compromisso coletivo com um futuro em harmonia com o ambiente e com as condições necessárias para que uma vida digna e saudável. A proposta do governo de controle social e a realização da I Conferência Nacional das Cidades com o objetivo de eleger um Conselho Nacional das Cidades é uma oportunidade única para que sejam incluídos nas diretrizes da política nacional para as cidades os princípios e valores que demandam que a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento econômico e a justiça social sejam tratados conforme suas particularidades de forma mais equilibrada e harmônica, favorecendo a legitimação de uma política nacional voltada para a sustentabilidade das cidades brasileiras.

Referências

ALMEIDA, Gerson e MENEGAT, Rualdo. Sustentabilidade e Democracia: Elementos Para Uma Estratégia de Gestão Ambiental Urbana no Brasil - Texto preparado e redigido para a ANAMMA - Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente, 2003.
BOFF, Leonardo. Ecologia, Mundialização e Espiritualidade. São Paulo: Editora Ática, 1993.
BOFF, Leonardo. Nova Era: A Civilização Planetária. São Paulo: Editora Ática, 1994.
BRUGMANN, Jeb. Locating the 'Local Agenda': Preserving Public Interest in the Evolving Urban World.
Ministério do Meio Ambiente. Documento base. Tema Cidades Sustentáveis - Agenda 21 Brasileira.
PESCI, Rubem . Cidade Sustentável: Enfoque Global do 2º PDDUA.
SIRKIS, Alfredo. Ecologia Urbana e Poder Local. Rio de Janeiro: Fundação Ondazul, 1999.
GUTIERREZ, Luis Dario. Documentos de apoio ao Tema Cidades Sustentáveis e texto base da proposta de Certificação de Sustentabilidade/2003.

Brasília, 20/10/03

Fonte: www.mma.gov.br 

Brasil na Rio+20 - Crescer, Incluir, Proteger

A Rio +20 é assim chamada porque marca os vinte anos de realização da conferência das nações unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, Rio 92. A conferência vai ocorrer de 13 a 22 de junho de 2012.

  

O objetivo da Conferência é a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes.


Desde a Rio-92, o tema do desenvolvimento sustentável ocupa lugar central na política externa brasileira. A proposta do país de sediar a Rio+20 se enquadra nessa prioridade, ao criar oportunidade para que todos os países das Nações Unidas se reúnam, mais uma vez no Rio de Janeiro, para discutir os rumos do desenvolvimento sustentável para os próximos vinte anos. Na qualidade de Presidente da Conferência, o Brasil será responsável pela coordenação das discussões e trabalhará para a formação de consensos e adoção de decisões concretas que visem ao objetivo do desenvolvimento sustentável. 


Fonte: http://www.rio20.gov.br. Acesso em 12/06/2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

ASCENSÃO E QUEDA DO AÇÚCAR CATARINENSE


Atividade que já foi representativa na economia do Estado hoje quase não existe

Ilhota - A cana-de-açúcar, que já representou importante filão na economia estadual, hoje é apenas uma atividade residual. Em 1980, o setor participava com 18,4% na pauta de exportações do Estado. Dez anos depois, no entanto, essa parcela era de apenas 0,4%. A concorrência dos produtores do Sudeste e Nordeste representou o fim da atividade em Santa Catarina. Enquanto durou, porém, a atividade representou uma página importante da história econômica catarinense. Era o ano de 1948. O pequeno povoado da Pedra de Amolar, no município de Ilhota, Médio Vale do Itajaí, viu chegar a fábrica Usati que transformava a cana-de-açúcar em um produto refinado. Um verdadeiro milagre para os habitantes do local, acostumados naquele tempo ao açúcar ainda bruto, escurecido, conhecido como mascavo. "Não esqueço o dia em que meu pai trouxe pela primeira vez o açúcar", conta o aposentado Félix Couto, à época com 12 anos. Coincidência ou não, desde então toda a sua vida acabou ligada ao processo de fabricação de açúcar. Primeiro trabalhou na lavoura de cana, para em seguida ingressar na Usati, onde ficou de 1954 a 1989, quando se aposentou. Couto cresceu dentro da empresa, acompanhou todos os seus passos, desde a fundação até a venda para o grupo paulista Cosan, em 2002, quando já não mais trabalhava lá. Hoje, é o mais antigo ex-funcionário ainda vivo da firma, que fechou as portas este mês. "Fiquei muito triste quando soube da notícia", lamenta ele referindo-se à decisão dos novos controladores da Usati, que optaram por encerrar as operações da quase centenária usina catarinense. A história da Usati começou no início do século passado, quando dois empresários, um catarinense e outro paulista, resolveram montar uma refinaria de açúcar no vale do rio Tijucas, onde é hoje o município de São João Batista. A atividade foi um sucesso e eles procuraram de outro lugar para nova refinaria. Propuseram negócio aos donos de um engenho, da família Konder Bornhausen, que funcionava na Pedra de Amolar. Fechado o acordo, deslocaram para o vilarejo às margens do Itajaí-açu as duas unidades beneficiadoras do grupo, centralizando ali toda a produção de açúcar. Nascia a Usina Adelaide e Tijucas (Usati) - fusão dos nomes Adelaide (Konder Bornhausen), do antigo engenho, e Tijucas, da refinadora montada pelos Gomes. Lançando a marca Portobello no mercado, a Usati tornou-se líder no segmento, a maior refinadora do Sul do País, produzindo em seu auge quase meio milhão de toneladas de açúcar por ano.

Nos primórdios, usina transformou vida da região de Ilhota

A Usati transformou a vida do pequeno povoado às margens do rio Itajaí-açu. Com a companhia vieram empregos, gente nova, estrada, escola, campo de futebol, posto de saúde, armazém, boteco, farmácia, salão de beleza, casas e outras pequenas empresas. Enfim, o progresso se instalou no bucólico vilarejo, cravado em plena mata atlântica. "Isso aqui era tudo mata virgem quando eu era mais jovem", conta Felício José Bittencourt, 85 anos, o mais antigo morador da Pedra de Amolar. "Quando veio a usina o que ainda tinha de mato foi derrubado pra fazer lenha e plantar cana", lembra ele, neto de Geraldino Joaquim Bittencourt, tido como o primeiro morador estabelecido no local, em 1870. O próprio Bittencourt ajudou a devorar a floresta, derrubando árvores para vender à Usati a lenha que aquecia suas caldeiras. Arrependido, entristeceu-se com o fim da selva e a ela passou a dedicar alguns dos poemas que escreve desde os 40 anos. Descendente de migrantes franceses, lembra que na infância moravam na localidade menos de uma dezena de famílias. "As terras de cada uma iam a perder de vista. Era tudo mato, que se derrubava pra fazer lavoura de milho, feijão, mandioca, cana, arroz". Hoje, a população do vilarejo é de aproximadamente mil pessoas. Na primeira metade do século passado começaram a surgir pequenos engenhos e alambiques na região, produzindo de forma artesanal farinha, cachaça, arroz e açúcar, sem refino. Com a chegada da Usati, o processo se acelerou, e o cenário mudou rapidamente. O que restava da floresta foi ao chão para dar lugar aos milhares e milhares de hectares ocupados pelas lavouras de cana, que forneciam a matéria prima da usina. De um dos pontos mais altos do vilarejo, onde está hoje o sindicato dos ex-trabalhadores, era possível perder de vista as plantações. No entorno da fábrica, formou-se a vila, cuja população aumentou cem vezes com a vinda da Usati. Nos anos 90, entretanto, a capacidade produtiva do solo se esgotou, a cana ficou cara demais e a Usati resolveu fechar o setor de usinagem. Passou a compra açúcar bruto de outras usinas e manteve apenas o refino. "Foi quando a Pedra de Amolar viveu seu primeiro período de decadência e o ciclo da cana chegou ao fim", esclarece Jorge João Pereira, presidente do sindicato dos trabalhadores nas indústrias de alimento da região.

Desativação da Usati marca fim de ciclo - Usina de açúcar da região de Ilhota atingiu auge nos anos 80, mas não conseguiu superar crise

Ilhota - Com incentivos do governo, a Usati atingiu seu auge produtivo nos anos 80, através das exportações. Mergulhado em lucros elevados, o grupo Portobello decidiu expandir os negócios, investindo na produção de cerâmica, construção civil e cultivo de maçã. Na década de 90, porém, com o fim do ciclo da cana e as dificuldades do mercado, a usina de açúcar balançou e precisou de uma parceria com a empresa suíça Glincore, que adquiriu 51% do negócio. Em 2004, mais uma mudança de controle acionário colocou a Usati na mão do grupo paulista Cosan S/A, um dos mais fortes do ramo no País. Por fim, em julho deste ano, ocorreu o último ato da saga açucareira iniciada pelos irmãos Gomes há quase 100 anos. Depois de voltar 95% da produção da Usati para o mercado externo, a Cosan decidiu baixar as portas da unidade, alegando que o baixo valor do dólar inviabilizou a operação. "Fomos pegos totalmente de surpresa. Tínhamos acabado de negociar um bom reajuste na data-base, a empresa estava investindo. Foi um choque, a vila parou perplexa", descreve o presidente do sindicato dos trabalhadores, Jorge João Pereira. O número de desempregados, segundo ele, foi de 237. Parte deste contingente, acredita, pode conseguir vaga na emergente indústria naval de Itajaí e Navegantes. "Quem sai da Usati tem ótimas referências no mercado", conclui. Pereira observa ainda que existem rumores extra-oficiais de que parte dos empregos poderia ser mantida se a empresa continuar embarcando contêineres no porto de Itajaí. "Neste caso eles manteriam um depósito no local, gerando algumas vagas. Nada comparável ao que era, obviamente". A direção da Cosan foi procurada para confirmar a informação, mas não se manifestou. Atualmente restam na região de Ilhota e Luiz Alves cerca de 300 hectares de plantações de cana - uma fração perto do que já houve. Elas abastecem a produção de cachaça e uma pequena parte se transforma em produtos artesanais, como o melado. No total somente 12 produtores ainda investem no cultivo. "Neste momento não há nenhuma perspectiva de aumento da área plantada", avalia o presidente do sindicato dos produtores rurais de Luiz Alves, Ademir Francisco Rosa da Silva. A maioria das propriedade da região agora investe no plantio de arroz e na criação de gado. A Prefeitura de Ilhota também acusou o golpe. Afinal, de cada sete reais que entravam no caixa municipal todos os meses, um vinha da Usati. "A alternativa para repor a perda de arrecadação é investir e incrementar a industria de lingerie e linha praia, que agora é a maior fonte de arrecadação do município" avalia o prefeito Ademar Felisky.

Diversificação reduz impacto

Criciúma - O fim do ciclo da cana-de-açúcar em Santa Catarina só não provocou uma crise generalizada na região de Ilhota e Tijucas, devido diversificação das atividades econômicas a partir dos anos 80, quando os negócios da Usati entraram em declínio. A opinião é do professor de economia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) Alcides Goularti Filho, doutor em economia pela Unicamp, de Campinas (SP) e autor do livro "Formação Econômica de Santa Catarina" (Editora Cidade Futura/2002). A obra de Goularti Filho mostra que em sua grande fase, o ciclo da cana-de-açúcar no Estado, nos anos 60, contava com mais de 35 mil hectares de áreas plantadas. O professor de economia da Unesc avalia que uma das principais causas do declínio da produção da cana-de-açúcar em Santa Catarina se deu em virtude da concorrência da indústria paulista e nordestina. "Com o Proálcool - programa do governo federal para incentivar a produção de álcool para consumo como combustível de automóveis - as usinas paulistas e nordestinas passaram por grandes processos de modernização e a concorrência ficou brutal", comenta. Segundo ele, a Portobello, no setor cerâmico, a indústria calçadista em São João Batista, e o turismo religioso em Nova Trento, impediram que a região vivenciasse uma crise econômica e social.

Atividade ainda é forte em Joinville - Produção vai para fábricas de cachaça e melado

Joinville - Com 2.800 hectares de área cultivada em dezenas de pequenas propriedades rurais, a cana-de-açúcar continua sendo uma das principais atividades do meio rural joinvilense. Cerca de 80% da lavoura canavieira é absorvida por 12 engenhos de cachaça e 40 unidades de melado, em sua maioria estão instaladas no distrito de Pirabeiraba - principal reduto agrícola do município. O restante da produção é destinada ao abastecimento de garapeiras e na alimentação de animais domésticos. No passado a cana-de-açúcar teve importância mais significativa, tendo se constituído no primeiro ciclo econômico do meio rural joinvilense. A atividade canavieira ganhou grande impulso através da Usina de Acúcar Pirabeiraba, que começou a ser implantada na fazenda Poço do Curtume, na região de Estrada da Ilha, nove anos após a chegada dos primeiros imigrantes europeus à então Colônia Dona Francisca. O empreendimento pertenceu do duque D'Aumale, parente do príncipe de Joinville, que iniciou a instalação da usina em 1860, tornando-se sete anos depois em ponto de referência do setor agroindustrial da colônia Dona Francisca. Segundo a historiadora Odete Schmalz, em 1867 a fábrica do duque ganhou equipamentos que permitiam a destilação da cana-de-açúcar através de processo a vapor. Na época, com 53 empregados, a fábrica que operava na produção de cachaça era considerada a maior empresa rural em toda a região do litoral Norte catarinense. Em 1876 João Paulo Schmalz foi nomeado administrador da empresa, função que exerceu durante 38 anos, durante os quais modernizou os equipamentos para produzir também açúcar branco refinado, que abastecia o mercado de Joinville e de outros centros urbanos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Ao escrever a monografia "Um Ducado Francês em Terras Principescas de Santa Catarina", Odete Schmalz deixou registrado que "o rigoroso controle em todas as fases de produção, avançada tecnologia, mão-de-obra pessoal altamente diversificada garantem à fábrica do duque D'aumale uma posição de destaque na indústria da colônia Dona Francisca. A usina pertenceu ao duque até seu falecimento em 1897. Os herdeiros mantiveram e empresa sob controle da família até 1921, ano em que se desativaram do negócio. Atualmente uma edificação que sobrou da usina está dentro de uma área de 270.200 m2 pertencente à empresa paulista Set Engenharia, que estruturou e transformou o local em condomínio de chácaras rurais. Pirabeiraba teve uma segunda fábrica de açúcar - a Usina Santa Catarina -, que foi instalada no começo da década de 1970 pelo empresário paulista Arnaldo Ribeiro Pinto. Em 1982 a Usina Santa Catarina, foi vendida ao grupo paranaense liderado por Serafin Meneghel, que transferiu os equipamentos para o Mato Grosso e na fazenda, de 2.800 hectares hoje são mantidos dois mil bovinos de corte. "A usina foi desativada porque o clima da região não é favorável à produção de açúcar em grande escala", assinala o agrônomo Marcus Justus Fontes.

Atividade artesanal

Joinville - Com uma produção anual de aproximadamente 15 mil toneladas de matéria prima, o setor canavieiro joinvilense gera trabalho e renda em dezenas de propriedades, que mantém a atividade sustentadas pela indústria artesanal da cachaça e do melado. Na visão de Nélson Holz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Joinville, o que efetivamente acabou em Santa Catarina foi o ciclo de produção de açúcar refinado.  "Com o fechamento das grandes usinas, os canaviais diminuiram drasticamente, mas não vão acabar enquanto houver produção de cachaça e melado, duas atividades tradicionais em centenas de pequenas propriedades rurais de diversas regiões do Estado", diz o sindicalista joinvilense. Para produzir cachaça artesanal, a garapa é fermentada pelo período de 24 horas, passando em seguida pelo processo de destilação em alambique, de onde sai uma bebida de grande aceitação popular. Já o melado é feito de garapa fresca e fica pronto depois de sete horas de fervura em tacho de cobre. Cachaça e melado são os dois produtos artesanais mais famosos do interior de Joinville que ajudaram a consolidar o projeto de turismo rural implantado no município no começo dos anos 90.

FONTE: Jornal A Notícia – Joinville - 24/07/2005

segunda-feira, 4 de junho de 2012

MODERNIZAÇÃO ECONÔMICA NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS (SC): O PAPEL DO GRUPO USATI-PORTOBELLO


RODRIGO ALVES DE BRITO
Bacharel e Licenciado em Geografia
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas decorrentes do processo de modernização econômica desencadeado pelo Grupo USATI-PORTOBELLO. O artigo em questão foi elaborado a partir da monografia com o mesmo título onde para o seu desenvolvimento primeiramente foi realizada uma análise empírica e posteriormente uma pesquisa bibliográfica, além de coleta de dados junto aos principais institutos de pesquisas. A análise inicia na década de 70 com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro que provocou a reorganização no uso do espaço agrário representando uma modernização da atividade canavieira onde o capital acumulado com a produção de açúcar permitiu ao grupo diversificar a atuação com a implantação da Cerâmica Portobello que representou uma modernização das técnicas da indústria de transformação de minerais não-metálicos desenvolvidas no município até então assentadas no ramo da cerâmica vermelha dinamizando as atividades urbanas ligadas ao comércio e prestação de serviços provocando o crescimento urbano do município, onde o município passa a ter duas vidas de desenvolvimento. O Complexo Agroindustrial açucareiro foi desativado em 1989, mas o Grupo USATI-PORTOBELLO continuou dominando o espaço urbano através da Cerâmica Portobello que foi ampliando a produção e o número de trabalhadores a cada ano.

Palavras-Chaves: Modernização Econômica; Formação Sócio-espacial; Transformações sócio-espaciais; Grupo USATI-PORTOBELLO.
 
INTRODUÇÃO

O município de Tijucas vem crescendo significativamente nas ultimas décadas, tanto no que se refere ao crescimento populacional quanto econômico, onde o setor secundário e o terciário se tornam cada vez mais dinâmicos e predominantes, típico de uma sociedade moderna. No município o processo de modernização teve início em meados da década de 60 com a modernização da agricultura criando as condições para que na década seguinte fosse constituído o Complexo Agroindustrial açucareiro sendo que posteriormente tal processo foi aprofundado com a instalação da Cerâmica Portobello.
Diante desse quadro surgiram algumas indagações, tais como: Que lugar coube à formação sócio-espacial no processo de modernização? Quais foram os principais agentes envolvidos? Quais foram os efeitos da modernização na reorganização sócio-espacial do município? A hipótese é que o principal agente de modernização tenha sido o Grupo USATI-PORTOBELLO com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e a instalação da Cerâmica Portobello, onde ambos vieram a representar uma modernização das técnicas desenvolvidas no território provocando desta forma a reorganização do espaço.
Este trabalho tem como objetivo geral: analisar as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas decorrentes do processo de modernização econômica desencadeado pelo Grupo USATI-PORTOBELLO. O artigo em questão foi elaborado a partir da monografia[1] com o mesmo título onde para o seu desenvolvimento primeiramente foi realizada uma análise empírica do município quanto ao crescimento urbano, organização espacial, dinâmica econômica e posteriormente foi realizada uma pesquisa sobre a produção acadêmica que tratasse sobre as transformações sócio-espaciais ocorridas no município de Tijucas e os referenciais teóricos sobre o conceito de modernização com base na Sociologia, Economia e sobre a perspectiva geográfica os estudos de Milton Santos.
Também foi realizada uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o município de Tijucas, aspectos geográficos, formação com o início do povoamento e a evolução econômica, além de coleta de dados junto aos principais institutos de pesquisas como IBGE, IPEA, além de sítios oficiais como do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Secretaria Estadual de Planejamento, Prefeitura Municipal de Tijucas e da própria Cerâmica Portobello.
O município de Tijucas passou por diferentes fases de desenvolvimento onde a partir de meados da década de 60, com o processo de modernização da agricultura, sobretudo da atividade canavieira onde na década seguinte veio a ser constituído o Complexo Agroindustrial Açucareiro que provocou uma significativa reorganização no uso do espaço agrário. No processo de consolidação do CAI açucareiro e com o capital acumulado o Grupo USATI-PORTOBELLO diversifica suas atividades instalando uma indústria de revestimentos cerâmicos no final da mesma década, apostando nesse setor devido o aumento da demanda interna com o crescimento urbano acelerado. 
Neste contexto, ocorreram transformações sócio-espaciais no município de Tijucas com o processo de modernização econômica acelerando o processo de urbanização, onde passaram a existir duas vias de desenvolvimento, com a agroindústria açucareira e com a indústria cerâmica de revestimentos. Em 1989, devido à extinção do IAA no ano anterior, o grupo desativa a Usina de Açúcar Tijucas S/A e a refinaria localizada no município de São João Batista provocando a dissolução do CAI açucareiro e da atividade canavieira na sua área de influência. Já a Cerâmica Portobello foi modernizada, sendo que no decorrer dos anos a ampliação da produção e do número de trabalhadores, bem como a diversificação dos produtos foi uma constante.

ASPECTOS GEOGRÁFICOS, FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO ECONÔMICA NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS.

O município de Tijucas está situado no litoral central do Estado de Santa Catarina, a 45 km da capital, fazendo parte da Mesorregião da Grande Florianópolis conforme divisão adotada pelo IBGE. O município compreende uma área de 276,62 km2 representando 0,29 % da superfície do Estado[2]. É banhado pelo Oceano Atlântico[3] e cortado pelo Rio Tijucas tendo estes dois fatores naturais favorecido muito a economia no passado, onde foi destaque o escoamento dos produtos agrícolas de outras localidades do interior do vale pelo rio até a foz assumindo a navegação de cabotagem grande importância.
O município tem um relevo em forma de vale por onde corre o Rio Tijucas e seus afluentes formando a Bacia Hidrográfica do Rio Tijucas que compreende uma área de 2.420 km2 integrando o sistema de drenagem da Vertente do Atlântico. O Rio Tijucas, principal componente desta bacia, apresenta em seu curso superior um perfil acidentado, conseqüência da topografia movimentada e elevada e no curso inferior forma uma extensa planície onde o rio descreve grandes meandros. Esta área de planície possui solos de fecundidade adequada à cultura extensiva da cana-de-açúcar, arroz, além de outras culturas alimentares (SANTA CATARINA, 1991).
            Os aspectos geográficos conferiram ao município de Tijucas uma situação em que permitiu a ocupação da vasta planície do Vale do Rio Tijucas, possibilitando a população desenvolver diversas atividades econômicas, inicialmente ligadas ao setor primário assumindo o comércio grande importância devido à presença do porto. Mais tarde a indústria cerâmica, a extração mineral e a agroindústria canavieira assumiram importância aproveitando os recursos da região com a presença da argila que permitiu a instalação de várias olarias e o cultivo de vastas plantações de cana-de-açúcar por todo o Vale do Rio Tijucas.
  É no século XVII que começam as primeiras expedições de povoamento em direção ao Sul do Brasil. Uma segunda fase da ocupação territorial ocorreria no século XVIII, como resposta a crise do comércio ultramarino português, onde o litoral catarinense passa a fazer parte mais efetiva do interesse político econômico da metrópole onde também houve um reforço militar da costa catarinense com a criação da Capitania de Santa Catarina em 1738, obrigando a vinda de todo um corpo militar e civil (CAMPOS, 1991).
Em 1748 chegam às primeiras levas de açorianos e madeirenses para povoarem a região. O objetivo da coroa com isso era utilizá-los para desenvolver a região e ter um exército para uma eventual defesa. No litoral de Santa Catarina, após a vinda dos açorianos, desenvolveu-se a pequena produção mercantil, com base na pequena propriedade, diferentemente do restante do Brasil onde predominava o latifúndio com a plantação de monoculturas voltadas para a exportação e assentadas na mão-de-obra escrava. (CAMPOS, 1991).
O início do povoamento do Vale do Rio Tijucas data de 1775 quando foi fundada uma povoação na Enseada das Garoupas, hoje Porto Belo, pelo Coronel Pedro Antônio da Gama Freitas que passou a distribuir moradores naquele local e também nos territórios vizinhos como Camboriu, Bombas, Zimbros, Ganchos e Tijucas, onde foram estabelecidos 60 casais (BOITEUX, 1928 apud ROUVER, 1988).
A ocupação da Foz do Rio Tijucas ocorreu na margem esquerda por ser a margem mais alta, constituindo a preferência dos primeiros moradores e a tendência a expansão da ocupação urbana evitando-se desta forma os terrenos mais baixos e sujeitos aos alagamentos e com difíceis condições de drenagem pela proximidade do lençol freático, situados na margem direita, próximo a foz, impróprias para a ocupação urbana.
Em Tijucas as terras foram exploradas em minifúndios, utilizando a mão-de-obra escrava nos engenhos, na exploração agrícola e madeireira, sendo grande o contingente de escravos, perdendo apenas para Desterro, Laguna, São Francisco, Lages e São José. No ano de 1856 Leonce Aube registrou que no Alto Tijucas existiam 112 escravos e na Foz do Tijucas 810 (ROUVER, 1988).
Em meados do século XIX iniciou outro processo de colonização em Santa Catarina para preencher os vazios demográficos e pelo fato da economia se encontrar estagnada. Foi dado início à colonização em regiões previamente escolhidas e as imigrações foram estimuladas ora pela política oficial, ora por companhias particulares, chegando ao território catarinense imigrantes alemães, italianos, além de outras nacionalidades, sendo que alguns deles vieram residir no município de Tijucas.
A movimentação no porto dos produtos oriundos do interior fez com que o povoado de São Sebastião do Tijucas se desenvolvesse sendo elevada a condição de freguesia sendo denominada então de São Sebastião da Foz do Tijucas Grande. Em 13 de junho de 1860 é lavrado o auto de remoção e instalação da Câmara Municipal passando o município a se chamar São Sebastião de Tijucas, que faria parte as freguesias de São João do Alto Tijucas e de Porto Belo, além das localidades de Canelinha, Major Gercino, Nova Trento e Leoberto Leal.
No ano de 1897 foi fundada a Usina de Açúcar São Sebastião pelo Desembargador Antero Francisco de Assis, na localidade da Índia, atual município de Canelinha, tendo sido a segunda fábrica do gênero instalada no estado, sendo que a primeira havia sido instalada em Joinville. A cana-de-açúcar era cultivada nos próprios terrenos da usina, mas como a cana-de-açúcar plantada era insuficiente os agricultores vizinhos passaram a vender a cana-de-açúcar para a usina (ROUVER, 1988).
No final do século XIX e início do século XX, a produção agrícola do município de Tijucas supria um comércio bastante desenvolvido. No meio urbano do município o comércio era dominado por firmas como Gallotti, Bayer, Werner, Laus e Cherem que monopolizavam o comércio, influenciando a economia local e dominado a política (CORRÊA, 1996).
 As duas primeiras firmas sobressaíram-se por serem também proprietárias de barcos, que foram adquiridos em 1901 pelos coronéis Benjamim Gallotti e João Bayer, dando início a Marinha Mercante de Tijucas. Favorecida pela sua posição geográfica, o município de São Sebastião de Tijucas funcionou como porto de escoamento da produção do interior do Vale, ao mesmo tempo em que recebia produtos de outros municípios e distribuía no interior vinculando-se ao comércio de importação-exportação que se desenvolvia no litoral de Santa Catarina onde a economia do Vale girava predominantemente em torno do porto (GOMES; BAYER, 2000).
Foi a partir do século XX, com a presença abundante de argila na região, que foram sendo instaladas cerâmicas vermelhas por todo o Vale do Rio Tijucas sempre construídas em terrenos onde a matéria-prima aflorava para facilitar a extração e o transporte. O primeiro documento a dar informações sobre a implantação de cerâmicas no Vale do Rio Tijucas, datado de 1900, pertenceu a Joaquim José de Sant’Ana, localizava-se no Moura, atual município de Canelinha. A instalação de cerâmicas no Vale do Rio Tijucas se deu pelos conhecimentos técnicos trazidos pelos imigrantes europeus e, sobretudo pela abundância de argila aflorante as margens do Rio Tijucas (ROUVER, 1988).
Mesmo com todo o desempenho econômico apresentado pelo município, tanto no meio rural com uma produção agrícola diversificada quanto no meio urbano com o comércio de importação-exportação e a presença de diversas indústrias, desde o início da década de trinta o meio rural, com um número expressivo de engenhos de açúcar mascavo, vinha sendo atingido pela política do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool)[4] que para regulamentar a produção açucareira no país, estabeleceu preços, quotas e registros de produção para a cobrança de impostos, atingindo duramente os produtores de cana-de-açúcar (CORRÊA, 1996).
Em 1939, pelo Decreto Lei nº 1546 de 29/08/1939, nos estados em que a produção fosse inferior a 100 mil sacas de açúcar anuais poderiam ser instaladas novas usinas onde foi fixada a cota de produção em 50.000 sacas por ano somente para usinas que se organizassem sob forma de cooperativas ou cuja matéria-prima (90%) fosse originária de fornecedores independentes (CORRÊA, 1996).
O município tinha forte tradição agrícola e a cana-de-açúcar era a cultura mais representativa desde o início da ocupação. A cultura canavieira e a industrialização do açúcar foram iniciadas com os açorianos que cultivaram a cana e construíram engenhos rudimentares para a produção de melado e açúcar mascavo, além de alambiques para a produção de aguardente (CORRÊA, 1996).
O município de Tijucas, embora apresentasse dificuldades na produção de açúcar devido à regulação pelo IAA, tinha uma agricultura diversificada, vivenciando um período de expansão no meio urbano até que em 1940 veio a sofrer um grande impacto na sua economia. Com o Decreto nº 5.758 de 11/06/1940, baixado pelo Governo Federal, que regulamentou as capitanias e portos, foi posto fim a navegação de cabotagem no município de Tijucas. O decreto dispunha sobre o efetivo das tripulações dos navios. Seu numerário era tão elevado que se tornou anti-econômico, inviabilizando o funcionamento da maioria dos pequenos portos em Santa Catarina (CORRÊA, 1996).
Com as dificuldades enfrentadas no meio rural devido às exigências do IAA que afetavam diretamente a sobrevivência da população rural que se dedicava aos engenhos de açúcar e o fim do porto afetando diretamente o comércio de produtos agrícolas o município veio a passar por um período de estagnação onde várias pessoas sairiam do município em busca de trabalho. No início dos anos 40 com a estagnação vivenciada pelo município de Tijucas despertou a preocupação do líder político Sr. Valério Gomes que administrava a prefeitura nesse período (1938-1941).
No ano de 1941 foi instituído o Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto-Lei nº 3.855 de 21/11/1941) que estabeleceu cotas diferenciadas para usinas e engenhos estabelecendo um conjunto de normas de proteção ao fornecedor de cana-de-açúcar para as usinas. Com a instituição desse estatuto o contexto do município se tornou favorável à instalação de uma usina de açúcar, pois atendia às exigências do Decreto-Lei nº 1546 de 29/08/1939 e do recém instituído Estatuto da Lavoura Canavieira, para a instalação de novas unidades industriais. Diante disso, o Sr. Valério Gomes, juntamente com outros empresários locais, preocupados com a decadência do município e diante da oportunidade tiveram a idéia de implantar uma usina para produzir açúcar (CORRÊA, 1996).
Com a união das cotas de produção de açúcar e as condições materiais possibilitada pelas políticas governamentais em relação à produção canavieira em 1944 foi fundada a Usina de Açúcar Tijucas S/A sendo que o distrito de São João Batista foi escolhido para instalação da agroindústria açucareira, por ser na época um dos maiores produtores de cana-de-açúcar da região e com o maior número de engenhos. As atividades foram iniciadas em 1946 produzindo 6.000 sacas de 50 kg de açúcar cristal. A instalação da Usina de Açúcar Tijucas S/A constitui um marco histórico para o município provocando o desaparecimento dos antigos engenhos artesanais, pois a usina absorveu a produção local do açúcar por ter adquirido as cotas de produção dos proprietários de engenhos (CORRÊA, 1996).
A Usina de Açúcar Tijucas S/A passou por muitas crises devido à concorrência com o açúcar nordestino, a sazonalidade da cultura que permitia o funcionamento apenas seis meses por ano, desastres naturais que afetavam o fornecimento de cana como geadas e enchentes, quebra do maquinário, além da desistência de alguns fornecedores de cana que optaram por outras culturas alimentares que apresentavam maiores rendimentos. No ano de 1956 a Usina de Açúcar Tijucas S/A adquiriu a Usina de Açúcar Adelaide S/A localizada em Ilhota, então as duas maiores agroindústrias açucareiras de Santa Catarina (CORRÊA, 1996).
No final da década de 50 e início da década de 60 o município de Tijucas perdeu grande parte do seu território com o desmembramento do distrito de São João Batista em 1958 transformado em município ficando como seu distrito Major Gercino. Este fato é importante para o município, pois além de perder parte do seu território também significou que a usina não pertencia mais a Tijucas. Em 1962 foi a vez do desmembramento do atual município de Canelinha.
Na década de 60 o Brasil passou a participar intensamente do comércio mundial de açúcar devido a Revolução Cubana que interrompeu o comércio de açúcar com os Estados Unidos favorecendo a produção brasileira que ampliou suas exportações. Nessa conjuntura, em 1962 o IAA firmou convênio com o Banco do Brasil para financiar projetos que visassem melhorar as terras produtoras de cana para garantir um abastecimento regular da agroindústria. A Usina de Açúcar Tijucas S/A, embora suprisse somente o mercado da Região Sul, se beneficiou com a nova política governamental (CORRÊA, 1996).
Com as facilidades de financiamento, para melhor atender as questões de ordem administrativa das Usinas de Açúcar Tijucas e Adelaide, em 1964 foi instalada a holding[5] em Florianópolis. Na sua área de influência os financiamentos foram utilizados para melhorar a produtividade canavieira tanto nas poucas unidades agrícolas da agroindústria como nas terras dos fornecedores adaptando um serviço de assistência visando reter o produtor para garantir o abastecimento, sendo que também organizou o transporte da produção com caminhões fretados (CORRÊA, 1996).
Foi a partir daí que o município de Tijucas, após a emancipação do Distrito de São João Batista, passa a fornecer cana-de-açúcar para a Usina sendo influenciado diretamente pela agroindústria. A cana-de-açúcar por ser um produto barato só era lucrativa se o raio de atuação fosse de 10 km, sendo que com o transporte fretado iria favorecer lugares mais distantes que então passaram a fornecer cana para a agroindústria. Em Tijucas já haviam produtores de fumo vinculados a agroindústria fumageira[6] que passaram a concorrer com a Usina de Açúcar Tijucas S/A na busca por produtores. Nos dois casos os agricultores eram subordinados onde a agroindústria, seja fumageira ou canavieira, fornecia os insumos (sementes, fertilizantes, inseticidas, etc) e a assistência técnica no processo denominado de integração.
Na década de 60 o município de Tijucas contava com 68% da população vivendo no campo, onde as atividades primárias assumiam papel de destaque na economia municipal. Porém na década seguinte 50,7% da população passaram a viver na cidade, o que demonstra uma tendência a urbanização, sendo que a construção civil já vinha crescendo em todo o Estado devido ao desenvolvimento dos pólos industriais de Blumenau e Joinville, além do crescimento populacional de Florianópolis estimulando o surgimento de novas indústrias cerâmicas em todo o Vale do Rio Tijucas.
Já no meio rural, com o aumento do preço do açúcar no mercado externo, a partir da década de 70 o IAA intensifica o planejamento do setor canavieiro adotando novas medidas políticas e econômicas criando o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (PLANALSUCAR) e o Programa de Racionalização da Agroindústria Açucareira (1971) cujo objetivo principal era melhorar a qualidade da matéria-prima aliada a concentração e modernização industrial. As duas maiores agroindústrias de Santa Catarina, Tijucas e Adelaide visando ampliar a quota de produção para atingir a economia de escala e ser beneficiada pelo PLANALSUCAR adquiriram a Companhia Açucareira Biguaçu S/A e a Usina São Pedro (Gaspar) as quais foram incorporadas. Em 1971 ocorreu a fusão das agroindústrias Tijucas e Adelaide e se constituiu o Grupo USATI (CORRÊA, 1996).
A partir daí a cana-de-açúcar suprida pelos fornecedores tornou-se insuficiente aumentando a capacidade ociosa das unidades industriais. Em 1972 o grupo lança-se no mercado de terras visando expandir suas unidades produtivas para produzir a matéria-prima da qual era dependente. Em 1973 foi instalada uma refinaria junto a Usina de Açúcar Tijucas S/A, na qual passa a processar o açúcar demerara[7] proveniente do estado de São Paulo acabando com a ociosidade produtiva no período de entre safra. Nesse processo surgiu a Refinadora Catarinense que abandonou o mercado regional e por intermédio do IAA, seu único cliente, passou a exportar todo o açúcar produzido (CORRÊA, 1996).
O desenvolvimento da agroindústria açucareira, bem como das olarias, que passaram por um processo de crescimento e modernização, aliado a outras indústrias (doces, pescados, madeira) aceleraram o processo de urbanização do município e expansão do setor terciário, além de aumentar a demanda por moradia, provocando o crescimento urbano do município.

O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO

Segundo o Dicionário de Sociologia (1987) a delimitação do conceito de modernização variou muito no decorrer no tempo, mas basicamente referiam-se aos processos de mudanças sociais com a passagem de uma sociedade rural para uma sociedade urbano-industrial, num processo de trânsito da tradição para a modernidade, acompanhando um processo de desenvolvimento econômico com conseqüências da emergência da urbanização e da industrialização.
O Novíssimo Dicionário de Economia (1999, p. 403-404) nos traz que a modernização é o “processo de mudança econômica, social e política pelo qual determinada sociedade supera estruturas tradicionais (de base rural), criando novas formas de produção, mecanismos racionais de dominação e novos padrões de comportamento”. São fenômenos característicos do processo de modernização econômica e social a urbanização e a industrialização, fatores estes que definem se um município, estado ou país estão se modernizando.
Na perspectiva geográfica temos os estudos de Santos (1994) que tratam sobre modernização e período técnico - cientifico - informacional. Segundo ele a humanidade passou por períodos até chegar ao denominado período técnico – científico - informacional onde o espaço rural e urbano são marcados na sua transformação pelo uso sistemático das contribuições da ciência e da técnica e por decisões que definem os usos em que cada fração do território vai ser destinada.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial com as atividades humanas dependendo da técnica e da ciência surgiu um novo período assim denominado de período técnico – cientifico. A partir dos anos 60, sobretudo a partir da década de 70, marcam uma nova fase, com a interdependência da ciência e técnica em todos os aspectos da vida social e que estabeleceram o processo de modernização pelo qual passou o país onde o Golpe de Estado de 1964 aparece como um marco, pois o regime criou as condições para integração do país e a sua internacionalização (SANTOS, 1994).

Modernização no Brasil e em Santa Catarina

A modernização brasileira aprofunda-se em meados da década de 50 com a industrialização pesada, a criação de vários centros de pesquisas básicas, a implantação de complexos petroquímicos ligados a Petrobrás e a consolidação de uma política nacional de crédito rural com a forte atuação do Estado. Nesta época o país já vivenciava uma tendência a urbanização e as bases da industrialização já eram alicerçadas com políticas voltadas ao seu desenvolvimento (GOULARTI FILHO, 2002).
Em 1955, com a posse de Juscelino Kubitschek, é dado início ao Plano Nacional de Desenvolvimento, conhecido como Plano de Metas, privilegiando os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. O capital estrangeiro é atraído pela ampliação dos serviços de infra-estrutura, como transporte e fornecimento de energia elétrica e instituições internacionais passam a financiar e promover treinamentos e assistência na área de planejamento econômico o que ensejará na modernização do país.
O nacional-desenvolvimentismo sob a influência da “era JK” chegará em Santa Catarina na década de 60, quando ocorre o primeiro passo para o desenvolvimento onde o governo foi desafiado a se modernizar para atender as exigências do modo de produção capitalista em que o capital industrial passou a ser o móvel da acumulação capitalista com a modernização da agricultura e com a mudança do complexo agrocomercial para o complexo agroindustrial (GOULARTI FILHO, 2002).
O processo de modernização do campo no Brasil e em Santa Catarina, com a chamada Revolução Verde, promove a substituição da agricultura tradicional por uma agricultura modernizada. Ainda na década de 60, as olarias produtoras de telhas e tijolos também modernizaram suas atividades produtivas com o uso de equipamentos e maquinários modernos, possibilitado pelo crédito devido ao processo de urbanização no pelo qual passava o Estado de Santa Catarina.

Modernização no município de Tijucas - Constituição do CAI açucareiro, instalação da Cerâmica Portobello e expansão urbana no município de Tijucas

No município de Tijucas é possível perceber a partir de 1965 o aumento na utilização de fertilizantes químicos e o uso cada vez maior de tratores no campo[8] que desencadearam um processo de modernização. Em 1960 havia 15 tratores no município de Tijucas e apenas 1,38% dos estabelecimentos usavam trator. Já em 1970 haviam 61 tratores e em 1980 (270), sendo que o emprego de trator nos estabelecimentos ampliou de 4,90% para 30,28%, respectivamente. Já o uso de fertilizantes químicos passou de 2,98% dos estabelecimentos em 1960 para 66,95% em 1985 e o uso de fertilizantes orgânicos passou de 5,13% para 71,37% no mesmo período. Já o uso de corretivos (calcário) e defensivos (animal) passaram a ser usados a partir de 1980 (CORRÊA, 1996).
Em meados da década de 70 com o processo de modernização da agricultura, com as condições materiais favoráveis será constituído o CAI açucareiro provocando a reorganização do espaço no município de Tijucas, com mudanças na base tecnológica, na estrutura fundiária, no uso da terra e nas relações de trabalho, com o avanço do capitalismo no campo, o uso intensivo da técnica e da ciência e o apoio do Estado, a atividade canavieira passa a ser desenvolvida em bases capitalistas modernas alcançando notável produtividade a partir de 1975 em função da utilização de insumos, maquinários modernos, diversificação de mudas e emprego de técnicas, além do grupo ter intensificado o serviço de assistência visando reter o fornecedor (CORRÊA, 1996).
Os canaviais expandiram-se por áreas novas como terras improdutivas, áreas antes exclusivas ao cultivo alimentares, avançando ainda por áreas de vegetação natural. A atividade canavieira em bases capitalistas provocou a desagregação familiar e a proletarização do trabalhador rural. A medida que foi adquirindo novas terras foram organizadas  novas unidades produtivas sob a forma de monocultura de cana em bases modernas, genericamente chamadas de fazendas, onde o emprego de mão-de-obra assalariada marcou em definitivo a expansão do capitalismo da atividade canavieira (CORRÊA, 1996).
No final da década de 70 o IAA passa a reduzir os investimentos para o setor canavieiro, sendo que desde o início da década as políticas governamentais também voltam-se para a produção industrial, onde o setor de revestimentos cerâmicos que já vinha sendo privilegiados pela política de financiamentos desde a década de sessenta tendo em vista a urbanização acelerada e a demanda crescente por produtos da construção civil, principalmente de revestimentos cerâmicos para atender a população de maior poder aquisitivo.
O grupo USATI-PORTOBELLO vislumbra neste contexto a oportunidade de instalar uma cerâmica de revestimentos no município, numa política de diversificação das atividades da holding. Em 1977 o Grupo USATI-PORTOBELLO, com o capital acumulado com a produção de açúcar e o crescimento acelerado da urbanização e, por conseguinte da construção civil no estado com o crescimento de cidades como Joinville, Blumenau e Florianópolis, bem como em todo o país com o aumento da demanda por revestimentos cerâmicos devido o processo de urbanização acelerado e também para ficar menos dependente da atividade canavieira que apresentava sinais de enfraquecimento, inicia a construção de uma indústria de revestimentos cerâmicos[9], a Cerâmica Portobello.
A indústria de transformação de minerais não-metálicos e a extração mineral, já desenvolvidas na região desde o início do século XX conferiu ao grupo USATI-PORTOBELLO um conhecimento do lugar que também deve ter influenciado o grupo para atuar no ramo cerâmico, pois embora o processo produtivo para a produção de revestimentos cerâmicos seja distinto do processo produtivo da cerâmica vermelha, o ramo de atuação é o mesmo, ou seja, indústria de transformação de minerais não-metálicos, além do que na década de 50 o grupo já havia implantando uma olaria e algumas cerâmicas da região já produziam lajotas para pisos utilizando argila selecionada e fornos-túnel.
As atividades de produção iniciaram em junho de 1979, quando entrou em operação o primeiro forno com capacidade de 65.000 m2 por mês. A Cerâmica Portobello caracterizou-se desde o início pela alta concentração tecnológica para produção da linha cerâmica nobre, distinguindo-se das olarias existentes na região, que trabalham com a produção da linha de cerâmica vermelha, representando uma mudança técnica das atividades cerâmicas desenvolvidas no município até então assentadas na cerâmica vermelha (PORTOBELLO, 2009).
A produção de revestimentos cerâmicos constituiu um ramo de atuação totalmente novo para o Grupo USATI-PORTOBELLO. A partir de então o município passa a ter duas vias de desenvolvimento, seja com a atividade canavieira que era processada na Usina localizada em São João Batista e com a produção de revestimentos cerâmicos. O Grupo USATI-PORTOBELLO passa então a dominar o meio rural com o CAI açucareiro e o meio urbano com a Cerâmica Portobello, sendo duas atividades totalmente distintas que irão delinear a organização do município e o desenvolvimento das atividades econômicas.
A Cerâmica Portobello teve papel importante no crescimento urbano e populacional, bem como no dinamismo econômico do município. A medida que a Cerâmica Portobello foi expandindo seu parque fabril houve a necessidade de contratar cada vez mais mão-de-obra o que influenciava diretamente no crescimento urbano do município com a intensificação do processo migratório de pessoas de outras partes do estado e do país em busca de trabalho e melhores condições de vida.
No final da década de 80 a crise alcançou a atividade canavieira e o CAI foi desativado em 1989, abalado pela crise econômica brasileira que havia alcançado o setor açucareiro, aliado a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) no ano anterior, onde o Grupo USATI-PORTOBELLO avaliou a situação de suas unidades, concluindo que possuíam poucas áreas de terra e que a produtividade[10] era menor se comparadas a do Estado de São Paulo, chegando a conclusão que a produção de cana para fins industriais era antieconômica no território catarinense (CORRÊA, 1996).
Com a desativação do CAI o município perde uma das vias de desenvolvimento, porém a segunda via representada pela Cerâmica Portobello foi consolidada com a modernização e expansão da atividade cerâmica, sendo que no decorrer dos anos a ampliação da produção e do número de trabalhadores, bem como a diversificação dos produtos foi uma constante.

CONSEQUÊNCIAS SÓCIO-ESPACIAIS DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS

Em decorrência das mudanças estruturais pelo qual passou o município, com o processo de modernização das atividades econômicas, tanto no campo como na cidade, serão analisadas adiante quais foram as conseqüências em relação às mudanças sócio-espaciais no meio rural, no crescimento populacional e urbano, bem como as mudanças no perfil socioeconômico, procurando, assim, reconhecer e dimensionar, qualitativa e quantitativamente, os vetores da modernização com incidência no município.

Transformações sócio-espaciais no meio rural[11]

  Com a modernização da atividade canavieira e a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro grande parte dos produtores rurais foram expropriados devido ao avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no processo de aquisição de terras provocando a reorganização espacial com o processo de concentração fundiária onde o grupo pretendia produzir a própria cana eliminando desta forma o produtor independente. Os ex-fornecedores de cana que resistiram à expropriação tiveram que encontrar no meio rural outras formas de sobrevivência (CORRÊA, 1996).
Com relação a concentração fundiária é possível constatar que os estabelecimentos situados nos estratos com menos de 5 a 50 ha reduziram significativamente a área no intervalo de 1960 (63,02%) para 1980 (42,79%). Em contrapartida os estabelecimentos com mais de 200 há tiveram um incremento na área de 13,11% para 35,30% respectivamente, o que demonstra a mudança na estrutura fundiária devido ao avanço capitalista no campo, onde o Grupo USATI-PORTOBELLO, representado pela Usina de Açúcar Tijucas S/A, instalada em São João Batista, foi a principal responsável pela concentração de terras nos estratos superiores (CORRÊA, 1996).
No que se refere ao uso da terra a área utilizada para o cultivo da cana-de-açúcar aumentou de 1.428 ha em 1960 para 2.747 ha em 1970 diminuindo para 2015 ha em 1980. Já o fumo ocupou uma área plantada de 825 ha em 1960, permanecendo 825 ha em 1970 e subindo para 1.025 ha em 1980. Este aumento na área destinada ao cultivo do fumo foi devido ao processo de eliminação dos fornecedores de cana que passaram a plantar fumo como alternativa para permanecerem vivendo no campo, além de outros que optaram pelo cultivo de arroz e criação de gado. Já os cultivos alimentares apresentaram variações irregulares no período (CORRÊA, 1996).
O avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no campo também provocou a alteração nas relações de trabalho aparecendo a figura do “bóia-fria” como são chamados os assalariados do campo. No que se refere às relações de trabalho houve uma diminuição do trabalho familiar no intervalo de 1960 (92,68%) para 1970 (79,03%) e 1980 (77,48%) o qual deve ser atribuída ao avanço capitalista e a modernização tecnológica da agricultura, seja na atividade canavieira ou fumageira. Em contrapartida o número de empregados temporários passou de 4,44% (1960) para 15,54% (1970) diminuindo para 12,02% em (1980) e o número de empregados permanentes passou de 2,51% (1960) para 4% (1970) e 9,32% em 1980 (CORRÊA, 1996).

Transformações sócio-espaciais no meio urbano

Com o avanço capitalista e os lucros auferidos com a atividade canavieira o Grupo USATI-PORTOBELLO veio a diversificar suas atividades com a instalação da Cerâmica Portobello no final da década de 70, onde a economia tijuquense, que se encontrava baseada basicamente na atividade canavieira, muito embora tivesse uma variedade de pequenos e médios estabelecimentos industriais foi dinamizada vindo a gerar muitos empregos tantos diretos como indiretos, atraindo grande número de trabalhadores provocando desta forma o crescimento populacional, sobretudo da população urbana, intensificando o processo de urbanização.
A população urbana cresceu tanto em termos absolutos passando de 6.476 em 1970 para 26.002 em 2010, significando um aumento de quatro vezes, quanto em termos percentuais passando de 50,7% em 1970 para 84% em 2010. Já a população rural diminui em números absolutos passando nesse mesmo período de 6.298 para 4.958, e em termos percentuais passando de 49,3% em 1970 para 16% em 2010.  Tal situação evidencia a participação cada vez maior da população urbana e do desenvolvimento das atividades ligadas ao setor secundário e terciário a partir da década de 70 quando ocorre a modernização da atividade canavieira e a instalação da Cerâmica Portobello.

Quadro 01: Crescimento populacional e participação da população urbana em Tijucas
Ano
População Total
Pop. Rural
Pop. Urbana
% Pop. urbana
1970
12.774
6.298
6.476
50,7%
1980
14.608
5.641
8.967
61,4%
1991
19.650
5.316
14.334
72,9%
2000
23.499
4.788
18.711
79,6%
2010
30.960
4.958
26.002
84%
Fonte: IPEA Regional: Tema População e IBGE Censo Populacional de 2010

No meio urbano, com a instalação da Cerâmica Portobello no final da década de 70, o processo de urbanização se intensificou. A expansão urbana do município, acelerada a partir da década de 80, promoveu a abertura de vários loteamentos empreendidos tanto pela Cerâmica Portobello para atender as necessidades de seus funcionários por moradia além de iniciativas de proprietários de grandes glebas de terras no centro da cidade que passaram a vislumbrar uma boa forma de ganhar dinheiro loteando suas terras devido a grande demanda existente.
O Estado, por intermédio da Prefeitura Municipal, do Governo Estadual e do Governo Federal, os grupos sociais excluídos e por fim os agentes imobiliários também agiram na produção do espaço com a abertura de vários loteamentos. A expansão urbana se deu na direção norte, para as terras mais altas e favoráveis a habitação, já que em direção ao sul o rio funciona como barreira natural, além do que as terras alagáveis situadas no sul do rio não são propícias a habitação.

Mudanças no perfil sócio-econômico

Com o processo de modernização ocorreu uma expansão/retração dos setores produtivos onde a agricultura regride aceleradamente no período de 1970 a 1996 passando de 25,58% para 1,46%, subindo para 3,97% em 2008. Já a participação da indústria aumenta aceleradamente no mesmo período passando de 33,98% em 1970 para 68,30% em 1996, vindo a regredir para 37,65% em 2008, onde então o setor terciário passa a assumir a ponta como setor mais importante passando a responder por 56,47% do PIB.

Quadro 02: Tijucas – PIB (Participação por setor)

1970
1975
1980
1985
1 996
2000
2008
Agricultura
25,58
22,65
12,64
11,11
1,46
2,02
3,97
Indústria
33,98
41,19
61,51
59,11
68,30
41,51
37,65
Com/Serv.
40,44
36,16
25,85
29,78
30,24
56,47
58,38
Total
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
      Fonte: IPEA Regional - Tema Contas Nacionais

Já quanto ao pessoal ocupado, verifica-se que em 1970, 78,66% da população ocupavam-se no setor primário, 12,11% no secundário e 9,21% no terciário. Em 1975 a maior parte da população ainda continuava ocupada no setor primário (71,31%) embora a participação tenha diminuído com a redução do pessoal ocupado na agricultura. A redução do pessoal ocupado na agropecuária no período de 1970 para 1975, passando de 2.655 para 1.785, é devido ao avanço capitalista do Grupo USATI-PORTOBELLO no campo que aumentou a área destinada ao plantio de cana-de-açúcar e reduzindo as áreas destinadas aos cultivos alimentares, forte empregadora de mão-de-obra.
O número de trabalhadores no setor secundário passa de 423 em 1975 para 1.039 em 1980, representando 30,88% do pessoal ocupado devido a entrada em funcionamento da Cerâmica Portobello em 1979.  De 1985 para 1995 o número de pessoal ocupado na indústria continua crescendo passando de 1.161 para 1.801 em virtude da expansão do parque fabril da Cerâmica Portobello. Em relação ao pessoal ocupado no setor agropecuário este regrediu de 1.974 para 481 trabalhadores, no mesmo período, devido à dissolução do CAI açucareiro em 1989.
O pessoal ocupado no setor terciário tem um aumento significativo no período de 1985 para 1995, passando de 404 para 1.200 trabalhadores, o que representa o dinamismo das atividades urbanas relacionadas a cadeia produtiva formada pela Cerâmica Portobello, assim como o aumento na demanda de bens e serviços pela população urbana. Em 2010 o secundário passa a representar 51,39% do pessoal ocupado, o terciário 48,14% e o primário apenas 0,47%. A participação do pessoal ocupado no setor agropecuário deve ser maior, porém por não ser formalizado não aparece nos dados oficiais.

Quadro 03: Tijucas - Pessoal Ocupado por Setor
Ano
Agropecuária
Indústria
Comércio e Serviços
Total
1970
2.655
409
311
3.375
1975
1.785
423
295
2.503
1980
2.074
1.039
251
3.364
1985
1.974
1.161
404
3.539
1995
481
1.801
1.200
3.482
2010
41
4.505
4.220
8.766
Fonte: IPEA: Regional - Tema Empregos. Os dados de 2010 foram obtidos junto a  RAIS/MTE

O processo de modernização ocorrido no município com o aumento da população urbana e a participação cada vez maior do setor secundário e do setor terciário provocou mudanças no perfil socioeconômico com a melhora no IDH[12] no período de 1970 a 2000. Em 1970 o IDH municipal era de 0,389, abaixo do IDH estadual que era de 0,477 vindo a superá-lo no ano 2000 onde o IDH municipal fica em 0,835 e o IDH estadual ficou em 0,822 o que significa que no período analisado o IDH municipal apresentou um desempenho melhor que o estadual, devido sobretudo a instalação da Cerâmica Portobello.
O IDH Renda foi o que teve o melhor desempenho passando de 0,248 em 1970 para 0,868 em 1980, o que representou um crescimento substancial relacionado a entrada em funcionamento da Cerâmica Portobello no ano de 1979, sendo o indicador que mais contribuiu para elevar o IDH-M, muito embora o IDH Educação e o IDH Longevidade também tenham apresentado um bom desempenho no período. Em 1991 houve uma queda no IDH Renda devido à dissolução do CAI açucareiro em 1989.

Quadro 04: IDH – M - Índice de Desenvolvimento Humano
Ano
Educação
Longevidade
Renda
IDH Municipal
IDH Estadual
1970
0,531
0,386
0,248
0,389
0,477
1980
0,608
0,567
0,868
0,681
0,734
1991
0,770
0,770
0,700
0,747
0,748
2000
0,892
0,845
0,769
0,835
0,822
2010
-
-
-
-
-
   Fonte: IPEA - Social - Tema Desenvolvimento Humano
     (-) Dados não disponíveis

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de analisar o processo de modernização econômica ocorrido no município de Tijucas a partir da década de 70 e as transformações sócio-espaciais decorrentes tornou evidente o papel determinante do Grupo USATI-PORTOBELLO como principal agente modernizador, com as mudanças estruturais provocadas pela constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e pela instalação da Cerâmica Portobello.
A constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro na década de 70 provocou a reorganização no espaço agrário do município. O capital acumulado com a atividade canavieira foi que permitiu ao Grupo USATI-PORTOBELLO diversificar suas atividades com a instalação da Cerâmica Portobello em 1977 que veio a representar uma modernização das técnicas desenvolvidas no território até então assentadas na indústria da cerâmica vermelha. A partir desse momento passam a existir no município duas vias de desenvolvimento com o Complexo Agroindustrial açucareiro e com a Cerâmica Portobello.
A desativação da Usina de Açúcar Tijucas S/A e da refinaria em 1989, ambas localizadas no município de São João Batista, provocou a dissolução do CAI açucareiro na sua área de influência. O município perde uma das vias de desenvolvimento baseada na atividade canavieira, contudo a segunda via de desenvolvimento representada pela Cerâmica Portobello foi consolidada com a modernização e expansão da atividade cerâmica.
Neste momento retomaremos as indagações iniciais para algumas considerações. Que lugar coube à formação sócio-espacial no processo de modernização? A formação sócio-espacial do litoral catarinense foi fundamental para o estabelecimento de uma economia agrária, a introdução da lavoura canavieira e o posterior desenvolvimento do Complexo Agroindustrial açucareiro, já que a cana-de-açúcar era cultivada no Vale do Rio Tijucas desde o início do povoamento. Soma-se a esse processo, a introdução da produção de cerâmica vermelha que foi introduzida no Estado de Santa Catarina inicialmente pelos açorianos que chegaram à região litorânea e mais tarde pelos alemães e principalmente italianos que, com seus conhecimentos técnicos acerca da produção cerâmica constituíram a base social para o surgimento da indústria de transformação de minerais não-metálicos no início do século XX, quando foram instaladas as primeiras olarias no município.
Quais foram os principais agentes envolvidos? Após a realização da pesquisa ficou evidente que o principal agente envolvido na modernização econômica do município foi o Grupo USATI-PORTOBELLO, com a constituição do Complexo Agroindustrial açucareiro e a implantação da Cerâmica Portobello, onde ambas representaram uma modernização das técnicas desenvolvidas no município, mas também teve contribuição a indústria fumageira, além do próprio Estado ao abrir linhas de crédito para financiar a agroindústria açucareira e a indústria de minerais não-metálicos, bem como implantar a infra-estrutura necessária com a pavimentação da Rodovia BR 101 inaugurada em 1971 e da Rodovia SC 411, inaugurada em 1975.
Quais foram os efeitos da modernização na reorganização sócio-espacial do município? Os principais efeitos foram o crescimento populacional e o aumento da urbanização onde a população urbana passou de 50,7% em 1970 para 84% em 2010 com a preponderância do setor secundário e terciário atingindo 96,03% do PIB em 2008 provocando desta forma mudanças no perfil sócio-econômico com uma melhoria substancial nas condições de vida da população tijuquense resultado da mudança de uma sociedade tradicional baseada na agricultura para uma sociedade moderna baseada nas atividades urbano-industriais.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Nazareno José. Terras comunais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis, Editora da UFSC, 1991.

CORRÊA, Walquíria Kruger. Transformações sócio-espaciais no município de Tijucas (SC): o papel do grupo USATI-PORTOBELLO. Rio Claro, 1996, 213 f. Tese (Doutorado em Geografia), UNESP.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário de ciências sociais. (2a ed.), Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1987, p. 773-775.

GOMES, Luiz; BAYER, Marcos. Muitas histórias de Tijucas. Florianópolis: Editora Insular, 2000. 248 p.

GOULARTI FILHO, Alcides. A formação econômica de Santa Catarina. Ensaios FEE, Porto Alegre, v 23, n 2, p 977-1007, 2002.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Estatística: população e economia. Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 04/06/2011.

IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). IPEADATA: macroeconômico, Regional, Social. Disponível em www.ipeadata.gov.br. Acesso em 04/06/2011.

MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). PDTE: Estatísticas da RAIS e do CAGED. Disponível em www.mte.gov.br. Acesso em 08/10/2011.

NOVÍSSIMO DICIONÁRIO DE ECONOMIA. Modernização econômica. (Org. Paulo Sandroni), São Paulo: Best Seller, 1999.

PNUD (Programa das Nações Unidas). Desenvolvimento humano e IDH. Disponível em www.pnud.org.br. Acessado em 31/08/2011.

PORTOBELLO. IAN: Informações anuais 2007. Disponível em www.portobello.com.br. Acesso em 23/07/2011.

PREFEITURA MUNICIPAL DE TIJUCAS. Fatos históricos. Disponível em www.tijucas.sc.gov.br. Acesso em 30/07/2011.

ROUVER, Vanderlei. Canelinha do Tijucas Grande. Canelinha/SC: Ed. da Prefeitura Municipal de Canelinha, 1988.

SANTA CATARINA (Estado). Atlas escolar de Santa Catarina. Florianópolis: IOESC, 1991.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. São Paulo: Ed. Hucitec, 1994.
_________________________________________________________________________________
 
[1] O presente artigo foi elaborado a partir da monografia com o mesmo título deste artigo e que foi apresentada em dezembro de 2011 para obtenção do titulo de bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

[2] Área definida pelo IBGE, Resolução nº 05 de 10 de outubro de 2002.

[3] A baía de Tijucas não dispõe de praias turísticas em função das condições geomorfológicas da planície costeira e pela imensa quantidade de sedimentos trazidos pelo Rio Tijucas

[4] Em 1933 o governo passa a intervir na economia com a criação do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), Decreto nº 22.789 de 01/06/1933, que passa a regulamentar a produção açucareira no país.

[5] A opção por Florianópolis justifica-se por ser a capital do estado, além de sediar a Universidade Federal de Santa Catarina e os institutos de pesquisas agropecuárias.

[6] As agroindústrias fumageiras com sede em Brusque e Blumenau já atuavam em Tijucas desde a década de 50.

[7] Açúcar em estágio intermediário de beneficiamento e que ainda não foi submetido ao processo de clareamento.

[8] Os dados sobre uso de fertilizantes e tratores no município de Tijucas extraídos da Tese de Doutorado da Prof. Walquíria Kruger Corrêa refere-se à malha de 1950 onde naquela década faziam parte de Tijucas (Sede) os distritos de São João Batista (desmembrado em 1958) e Canelinha (desmembrado em 1962).

[9] A cerâmica de revestimento constitui-se um segmento da indústria de transformação, inserida no ramo de minerais não-metálicos, tendo como atividade a produção de uma variedade de produtos destinados ao revestimento de pisos e paredes. Representa, ao lado da cerâmica vermelha, louças, cal e vidro, uma cadeia produtiva que compõe o complexo industrial de materiais de construção.

[10] Nas unidades industriais da Usina de Açúcar Tijucas S/A, uma tonelada de cana rendia em média 86 kg de açúcar. No Estado de São Paulo a produção industrial alcançava em média 130 kg por tonelada de cana. (CORRÊA, 1996, p. 189).

[11] Os dados sobre o espaço agrário do município de Tijucas foram extraídos da Tese de Doutorado da Prof. Walquíria Kruger Corrêa que optou por manter a malha de 1950 para composição das tabelas devido ao fato de que naquela década faziam parte de Tijucas (Sede) os distritos de São João Batista (desmembrado em 1958) e Canelinha (desmembrado em 1962) para evitar desta forma distorções.  Os dados foram obtidos do IBGE – Censos Agrícolas (SC) de 1950, 1960 e Censos Agropecuários (SC) de 1970, 1980, 1985.

[12] O objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano foi oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Essas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a um.